quarta-feira, 29 de julho de 2009


Sargento Rita e Bento Guerreiro

Pisco, Bento Guerreiro e Ginó
Pinheiro, Ginó, Bento Guerreiro e Amorim (escriturário)
Pinheiro, Bento Guerreiro, Furriel Ferreira Jorge e Val Amorim




O reencontro

16 de Maio de 2009, 38 anos passados, fui pela primeira vez a um almoço da nossa Companhia.
O reencontro com os meus camaradas, foi uma das maiores alegrias que eu senti.
Ao fim de tantos anos, todos nós estávamos diferentes, e nem se conhecíamos uns aos outros, a emoção era tanta que as lágrimas acabaram por tomar conta de mim, mas, eram lágrimas de alegria por os tornar a ver.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

BeiraBeira
Cidade de Maputo






Companhia de Caçadores 2470

Recordando

Foi um marco importante na vida de todos nós. Volvidos já dois anos sobre a data em que rumámos para longe dos lares, das famílias, dos hábitos adquiridos e enraizados, é natural que nos interroguemos sobre a valia do nosso esforço, a evolução da nossa personalidade, os episódios que dum ou doutro modo nos marcaram, que tentemos, enfim, fazer um balanço desta nossa experiência africana.
Curiosamente não são os momentos difíceis que estão mais presentes no nosso espírito, ao contrário do que imagináramos que viesse a acontecer. Todos nós tivemos, por certo, ocasiões de desânimo total, em que a sede, o cansaço, o medo (porque não admiti-lo? Só os inconscientes o não têm…) nos fizeram pensar que «nunca mais esqueceríamos aquele dia». E, afinal, recordamos sobretudo a piada oportuna, o episódio burlesco, as pequenas sensações agradáveis do regresso ao quartel, depois de uns dias no mato – o banho, uma cama, a comida servida com prato e talheres, as cartas que nos aguardavam, tudo o que nos reconciliava com a vida.
Mas, recordemos…
Não pode dizer-se que tenham sido pouco felizes os nossos primeiros contactos com a actividade operacional. De facto, ao cabo de quinze dias de permanência no Fingoé, patrulhando os arredores do quartel para criar a habituação com a «selva», que imagináramos, e tomando por cobras, inofensivos tubos de plástico para a conduta de água, tínhamos já no nosso activo duas importantes capturas – um cipaio da Administração e um enfermeiro local, cujos «crimes» principais eram a sua cor escura e a nossa terrível boa vontade e ingenuidade de «checas» que nos fazia ver o inimigo a qualquer esquina.
Mas, o correr dos meses trouxe-nos a calma, a lucidez e a confiança; os músculos adaptavam-se às marchas duras, os ouvidos apuravam-se, a entre ajuda crescia. As patrulhas foram sendo substituídas por operações de intervenção, cada vez mais frequentes, e a época seca de 1969 encontrou-nos já plenamente integrados na missão que se nos pedia. Foi um pedido duro aquele; foi, para muitos, a revelação de energias, de determinação e de coragem, de que não se sabiam possuidores. Cedo nos apercebemos que nem sempre o resultado estava na razão directa do esforço; quantas vezes eram as operações menos desgastantes e perigosas, as que nos traziam mais compensações. E aprendemos assim a dominar a frustração.
Aproximava-se entretanto, o fim do primeiro ano de Comissão, e surgiram os inevitáveis boatos: «parece que a Companhia vai para a recta dos leões»; «o Batalhão vai para Tete e nó para mutarara»…
E a mudança chegou de facto, mas para Gago Coutinho, logo alcunhada de «Mutarara de Cima» numa reacção salutar contra a decepção que todos sentiram no seu íntimo. Mas se fosse possível representar num gráfico a produtividade da Subunidade, seria, precisamente, ai, naquela isolada área de fronteira, que se teria atingido o ponto máximo. A sensação de ter, enfim, «uma casa própria» (no Fingoé, éramos, apesar de tudo, uns hóspedes, se bem que em excelentes relações com os senhorios) foi, talvez, o catalizador de esforços e vontades; a par da actividade operacional, já nossa conhecida, começou o trabalho árduo da construção de abrigos e paliçadas, de melhoramentos nos edifícios e de cultivo das terras. Os autóctones habituaram-se a vir ter connosco para o transporte dos produtos e dos seus doentes, e o tractor foi convertido no nosso melhor instrumento de acção psicológica ao serviço das populações.
Daqui a uns anos, quando os episódios se esfumarem, ainda mais, Gago Coutinho terá, sempre, terá sempre um lugar de evidência nas nossas recordações.
Junho de 1970. A passagem no Zambeze, na Chicoa, a caminho duma zona não activa, foi um momento de emoção. Para traz ficavam dezassete meses vividos com a intensidade característica dos que moram paredes méis com o perigo. Esperava-nos a Zambézia e o deslumbramento de verificar que, afinal, havia picadas onde se podia andar de Jeep… Aqui, se iniciou um tipo de missão completamente diferente – o contacto com as populações em patrulhas de reconhecimento e de acção psicológica – que seria continuada quando, dois meses mais tarde, a Companhia mudou para o sul da Província.
Foi, pois, um longo roteiro, que nos levou a ocupar os mais diferentes tipos de aquartelamentos e a conhecer as mais diversas regiões: Fingoé, Chipera, Vasco da Gama, Gago Coutinho, Alto Molócué, Gilé, Erego, Ponta Mahone, Inhambane, Mabote e Maxixe.
Falamos, ao princípio, em tentar fazer um balanço…
Será possível, em consciência, colocar do lado do activo uns tantos inimigos abatidos, prisioneiros e populações recuperadas, armas apreendidas, quando temos no nosso passivo a recordação bem nítida do Amaral (morto em combate em 18 de Junho de 1969), dos Furriéis Garroa e Jorge, do Alves, do «Runa», do Gabriel, do Carvalho, do Neves?... Não poderia, de facto, apurar-se um saldo, se fosse essa a nossa perspectiva.
Mas, atentemos nas populações que ajudámos e esclarecemos, com quem compartilhámos os nossos conhecimentos e a quem demos a nossa amizade; reparemos na mudança que sofreram as nossa personalidades, agora temperadas pelo autodomínio,
Pela confiança e pela tenacidade – dois anos que transformaram mais de uma centena de rapazes em homens adultos e válidos.
Valeu a pena?!...
No futuro, quando nos interrogamos, libertos, então, do peso dos momentos ainda há pouco vividos, será, certamente, afirmativa a resposta.

Conduta brava e em tudo distinta


Batalhão de Caçadores 2863

Moçambique 1969 – 70 - 71


O batalhão de Caçadores 2863, com as suas companhias de caçadores 2470, 2471, 2472 partiu no navio Niassa com destino a Moçambique no dia 4 de Janeiro de 1969, deixando Lisboa pelas 12.00 horas do mesmo dia.
Viajou sem incidentes nem história. Em 25 de Janeiro chegou a Lourenço Marques, hoje Maputo, onde foi imediatamente visitado pelo Comandante da RMM, General Francisco da Costa Gomes, que formulou votos de uma feliz comissão aos componentes da Unidade. No dia seguinte 26 de Janeiro, a Unidade com outras, desfilou pelas ruas da cidade, após o que regressou a bordo, largando em 27, escoltada, pela fragata João Belo, com destino à Beira.
Pelas 20.00 horas de dia 29, embarcou, em caminho de ferro, desta última cidade para Tete, via Moatize.
A unidade foi transportada em viaturas-auto de Moatize par Chicoa, onde o 1º escalão chegou em 31 de Janeiro e o último em 1 de Fevereiro.
Da Chicoa para as diversas zonas de acção, o transporte foi feito nas viaturas orgânicas da Unidade que se rendia. Dada a escassez dos meios, o péssimo estado das vias de comunicação, agravado pela chuva intensa que caía então, esta operação arrastou-se por vários dias, tendo o Batalhão assumido a responsabilidade do Subsector em 3 de Fevereiro de 1969.

domingo, 5 de julho de 2009





A Viagem

A Viagem para África começava muito antes do embarque. O processo que levava um jovem até Angola, Guiné ou Moçambique iniciava-se habitualmente logo após o final da instrução da especialidade. Para um atirador, e tanto fazia sê-lo de infantaria, cavalaria ou artilharia, após ser dado como pronto vinha a ordem de mobilização. O caso mais vulgar e típico era o de o militar pertencer a uma companhia e esta a um batalhão. A ordem de mobilização originava a guia de marcha para a unidade mobilizadora. Aí se juntavam os militares vindos dos vários centros de instrução, os graduados e os comandantes. A companhia e o batalhão já tinham um número de código atribuído e, aos poucos, surgiam os especialistas diversos, os condutores, transmissões, enfermeiros e cozinheiros, de modo a que se preenchesse o quadro orgânico respectivo. Enquanto se formava a unidade, realizavam-se os exercícios de instrução - IAO, a instrução de aperfeiçoamento operacional -, com os conselhos sobre o que fazer em África para sobreviver. Recebiam-se as vacinas, o camuflado e, por fim, a unidade estava pronta. Chegava a ordem de embarque e então o contingente formava na parada do quartel. Nos primeiros tempos, o capelão rezava uma missa campal, que depois caiu em desuso; o comandante da unidade mobilizadora, um coronel, proferia umas palavras alusivas à missão e entregava o guião ao comandante do batalhão mobilizado, um tenente-coronel, ou então da companhia, um capitão; as tropas desfilavam ao som da música, era concedida a licença de dez dias antes de embarque e pagas as ajudas de custo. Neste momento, o militar era um mobilizado, ia a casa, despedia-se da família, fazia umas asneiras por conta, arranjava umas correspondentes para lhe escreverem, ou umas madrinhas de guerra, e voltava à unidade mobilizadora para daí iniciar verdadeiramente a viagem. Neste regresso faltavam uns quantos camaradas, que tinham decidido dar o salto para o estrangeiro ou baixado ao hospital com uma doença mesmo a calhar, mas os que restavam formavam de novo na parada do quartel, com as malas, e embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho de ferro mais próxima. Na estação, quase sempre de noite, o contingente embarcava num comboio especial em direcção a Lisboa, ao Cais da Rocha ou ao de AIcântara. O navio que os iria levar estava atracado e as famílias apinhavam-se nas varandas da gare marítima com lenços de acenar, cartazes com o nome do militar, para chamar a atenção, e lágrimas da despedida. A tropa, vinda de vários pontos em quantidade suficiente para encher o navio, desfilava de novo, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças e mais folhetos sobre o território de destino. Chegava o momento do embarque. Subiam-se as escadas e arrumava-se a bagagem junto ao beliche armado nos porões, transformados em casernas. Depois, voltava-se ao convés, lutava-se por um lugar na amurada ou trepava-se aos mastros, para os últimos acenos. Por volta do meio-dia, o navio recolhia as escadas e os cabos, a sirena apitava e, durante alguns anos, a instalação sonora tocava a marcha intitulada "Angola é Nossa", independentemente do destino - um ritual abandonado nos anos mais próximos do fim da guerra. O navio afastava-se lentamente, virava a proa à foz do Tejo, passava por baixo da ponte e deslizava diante da Torre de Belém. A fome já apertava e eram dadas instruções para a primeira refeição abordo. Os oficiais seguiam para a primeira classe, os sargentos para a segunda e os praças para a terceira, Neste caso, e dada a grande quantidade de tropas embarcadas, havia um sistema de self-service. Cada grupo nomeava os seus faxinas, que se aproximavam dos caldeirões, montados à proa e à ré, para receber um tacho de sopa, um de «segundo», o pão e a fruta, que redistribuíam aos seus camaradas, no regresso aos seus postos. Comia-se como num piquenique, sentado no convés. Este sistema já funcionava mal com o mar calmo, mas piorava nos dias de tempestade. Nesses dias, os respingos do mar salgavam a comida, os faxinas desequilibravam-se com o balanço, entornando a sopa, e os restos espalhados ajudavam a escorregar os que vinham em sentido contrário. Valia nessas ocasiões o enjoo da maioria, que os tornava menos exigentes na qualidade e quantidade da alimentação. A meio da viagem realizavam-se.exercícios de salvamento a bordo, e todo o contingente enfiava o colete salva-vidas e cada um apresentava-se junto à baleeira que lhe estava destinada, em caso de, naufrágio. Tiravam-se umas fotografias e estava passada mais uma tarde. Os dias de calma eram gastos a jogar às cartas e a receber alguma instrução sobre o destino, em que ninguém, verdadeiramente, queria pensar. A passagem do equador fornecia o pretexto para uma cerimónia da praxe e, entretanto, aproximava-se a chegada, que, quase sempre de manhã, era o tempo da curiosidade de África, o tempo de refazer as malas e do desembarque. Nova formatura, agora ao calor, um desfile e um discurso. Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte, até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.